Faces da Violência https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br O que está por trás dos números da segurança pública Tue, 23 Nov 2021 18:56:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Violência cai mais em estados dos EUA mais rigorosos no controle de armas https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/02/26/violencia-cai-mais-em-estados-dos-eua-mais-rigorosos-no-controle-de-armas/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/02/26/violencia-cai-mais-em-estados-dos-eua-mais-rigorosos-no-controle-de-armas/#respond Tue, 26 Feb 2019 11:33:45 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/02/Gráfico-Daniel-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=648 Com Daniel Cerqueira e Alberto Kopittke*

O debate sobre armas pode ser feito de forma filosófica e ideológica, ou então com base na avaliação do resultado das experiências reais sobre o tema. E, nas políticas públicas, as evidências precisam dar o tom dos “pacotes” e/ou “planos”.

O fato é que a imensa maioria do conhecimento científico disponível no mundo indica que o aumento do número de armas de fogo em qualquer sociedade produz um aumento no número de homicídios por causas banais, de acidentes domésticos com crianças, de suicídios de adolescentes, de morte de mulheres e não reduz os crimes contra o patrimônio.

Por esse motivo, todos os grandes portais públicos de evidências da área recomendam que os governos adotem programas de restrição às armas, como o Portal Crime Solutions do Departamento de Justiça dos EUA e o Portal What Works (O Que Funciona) do governo Britânico, o maior do mundo.

Os defensores das armas baseiam-se num estudo realizado por John Lott em 1997, que já foi desmentido reiteradas vezes. Em 2004, a Academia de Ciências dos EUA convocou um grupo de especialistas para avaliar o tema e quinze deles concluíram contra o uso de armas e apenas um a favor. Uma Comissão de Especialistas formada pelo Ministério da Saúde daquele país, em 2005, recomendou que fossem aprovadas leis de restrição. A Rand, um grande centro de avaliação de políticas que presta consultoria para o Ministério da Defesa dos EUA, lançou recentemente um portal de dados recomendando leis de restrição às armas. A Associação Médica Americana, por meio do seu prestigioso periódico científico JAMA, também publicou um editorial exortando o governo a tomar necessárias medidas restritivas quanto ao acesso às armas de fogo.

A mais recente e robusta análise, publicada no final de 2018 (Donohue, Aneja e Weber), encontrou que os nove estados dos EUA que não flexibilizaram as leis de armas entre 1977 e 2014 tiveram uma queda de 42,3% nos crimes violentos; enquanto que nos demais estados que liberaram as armas, a queda foi de apenas 4,3%.

No Brasil, uma revisão sistemática que realizamos encontrou 14 estudos sobre o tema no país, dos quais 12 indicaram que reduzir armas reduz crimes. Inclui-se nessa lista três teses de doutorado em economia, em universidades como PUC, USP e FGV. Ainda, um artigo de Cerqueira e De Mello (2014) mostrou que se não fosse o Estatuto do Desarmamento (ED) as taxas de homicídios seriam 12% maiores dos que as observadas.

A imagem que abre este texto ilustra bem o ponto. Desde a década de oitenta houve uma verdadeira corrida armamentista, que fez com que a proporção de homicídios cometidos com o uso da arma de fogo saltasse de um patamar de 40%, nos anos 80, para 71% em 2003, ano que foi sancionado o ED, quando tal índice parou de crescer. O estatuto, que impôs uma legislação de controle responsável da arma de fogo, foi crucial para poupar vidas e frear a escalada dos homicídios, que cresceram 6,7% nos 13 anos posteriores, ante um crescimento de 70% no mesmo período anteriormente.

Voltando ao caso americano, é importante esclarecer que o famoso programa de Tolerância Zero de Nova York teve uma estratégia central de controle e retirada de armas de fogo das ruas, fato desconhecido no Brasil. Em países e cidades da América Latina, como Bogotá e Medelín, onde houve o enfoque de restringir o número de armas, os homicídios também caíram.

As consequências do atual decreto perdurarão por mais de cem anos, mesmo que no futuro se decida revisar o tema, uma vez que milhões de armas já estarão nas ruas. Esse agendamento da violência futura mereceria um debate mais técnico e menos ideológico. Na era das fake news e do ódio político, o conhecimento científico e as evidências por ele produzidas são mais necessárias do que nunca.

A espetacularização do liberou geral das armas de fogo, somada ao pacote Moro do endurecimento penal e da licença para matar, já chamado de kit desastre, tem outra nefasta consequência: desviar a atenção para o fato de que mais um governo se inicia no Brasil sem uma verdadeira Política Nacional de Segurança Pública que valorize nossas polícias, reforme o sistema prisional e previna a violência entre crianças e jovens, municiada com evidências científicas sobre o que realmente funciona para reduzir a violência.

Isso para não dizer que, quando olhamos apenas aquilo que queremos ver e não as evidências sobre o tema, não nos damos conta do drama que a segurança pública brasileira enfrenta. Em pesquisa do FBSP/Datafolha, publicada hoje (26), 9 mulheres com 16 anos ou mais de idade são agredidas por minuto no Brasil. Ou seja, se mesmo após o movimento de mulheres conseguir afastar da jurisprudência brasileira o conceito de forte emoção como critério prévio de legítima defesa o número de mulheres vítima é tão alto, imaginem se a ideia de amplia-lo para a população, no anseio populista de querer agradar aos policiais, entre em vigor?

Em segurança pública, as evidências mostram que mais armas, mais mortes; menos informação, significa mais tempo gasto com debates ideológicos e/ou conceituais pouco produtivos.

***

Daniel Cerqueira, economista, é membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Alberto Kopittke. Diretor Executivo do Instituto Cidade Segura, associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

]]>
0
Armas de fogo: o que é preciso saber antes das mudanças nas regras atuais https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/01/09/armas-de-fogo-o-que-e-preciso-saber-antes-das-mudancas-nas-regras-atuais/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/01/09/armas-de-fogo-o-que-e-preciso-saber-antes-das-mudancas-nas-regras-atuais/#respond Wed, 09 Jan 2019 14:02:09 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/final-arma-na-urna-1530891651356_615x300-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=560 O Faces da Violência, diante das notícias sobre as iminentes alterações nas normas sobre armas de fogo no Brasil, abre espaço para a análise e opinião dos subprocuradores gerais da República, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen e Domingos Savio Dresch da Silveira, acerca de dimensões pouco destacadas pelo debate político atual.

***

As regras sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, no Brasil, estão assentadas na Lei 10826 de 22/12/2003, regulamentada pelo decreto 5123/2004, com dois sistemas de controle: Sistema Nacional de Controle de Armas (SINARM), administrado pela Policia Federal, e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA), administrado pelo Exército (atualmente o Decreto 9493 de 05/09/2018 regula a fiscalização de produtos controlados).

Importante explicitar que cada uma das instituições tem poder regulamentar para estabelecer normas, que incidem diretamente sobre registro, posse e porte de armas permitidas, que podem ser compradas no mercado, campo de atuação da Policia Federal (armas dos cidadãos, empresas de segurança privada, policias civis, guardas municipais), ou aquelas de uso restrito (como as das Forças Armadas, Policias Militares e Bombeiros) e as que podem ser adquiridas por treinadores de tiro, colecionadores e caçadores, campo do Exército. Assim, por exemplo, a portaria nº 124-COLOG, do Exército, de 1º/10/2018 e Instrução Normativa 131 de 16/11/2018, DG/PF.

Como sabemos, em várias investigações criminais, o rastreamento de armas e munições é essencial para identificação da autoria e, embora, tanto Policia Federal como o Exército forneçam as informações necessárias quando solicitados e estejam atuando para aperfeiçoar normas e sistemas de registro, os dois sistemas de controle ainda não se comunicam diretamente, e, em algumas ocorrências, não há a inserção de informações sobre armas e munições aprendidas em prática de crimes. Esse quadro apresenta melhoras com convênios entre Policia Federal e Polícias Civis.

Quanto ao número de armas com posse autorizado, normalmente, se contabilizam somente os números da Polícia Federal, entretanto, a esses números devem se somar aqueles do Exército. Embora, a segurança nas fronteiras, especialmente, no eixo sul/centro oeste face à realidade de cidades e áreas conturbadas, seja uma preocupação de todas as instituições que trabalham com segurança pública e também dos atores do sistema de justiça criminal, não existem estatísticas próprias para essas regiões.

A interoperabilidade de sistemas de controle de armas, registros criminais e outros dados necessários para concessão de posse e porte de armas está prevista na Lei 13675 de 11/06/2018, que criou a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), dotando a União Federal de maiores instrumentos para contribuir diretamente e eficazmente para a melhoria da Segurança Pública, demanda de toda a sociedade brasileira e um dos objetivos estabelecidos na lei é justamente fortalecer as ações de fiscalização de armas de fogo e munições (artigo 6º, inciso XXV) e para tanto criou o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético e de Drogas (SINESP), cuja administração está com a Secretaria Nacional de Segurança Pública, que está vinculada ao Ministério da Justiça.

A efetividade do sistema será maior na medida em que haja a adesão dos estados e do Distrito Federal, o que está ocorrendo, mais ainda não está completa.

O Ministério Público Federal, através das Câmaras de Coordenação e Revisão Criminal (2ªCCR) e de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional (7ªCCR) tem mantido diálogo com as instituições responsáveis pela implementação do Sistema Único de Segurança Pública, especialmente, para a implementação do SINESP.

Há o entendimento que o mesmo é essencial para a melhoria de dados que possibilitem ajudar na repressão às facções criminosas que atuam dentro dos presídios, que devem ser isoladas, não permitindo a comunicação com comparsas fora dos muros das prisões, na rastreabilidade de armas, munições e explosivos; bem como para melhor compreender redes ilícitas de distribuição e receptação, e, integrar dados de sistemas federais com estaduais, inclusive, com registro de armas apreendidas, para que se possa saber se uma arma que foi registrada legalmente passou ao mercado ilícito, onde e por qual razão.

A implementação do SINESP deve ser considerada no processo de eventual modificação de normas relacionadas à posse( registro) e posse de armas e munições, e, essas mudanças devem ser precedidas de diálogo interno no Executivo entre aqueles que trabalham na regulação do tema, mas também com aqueles, que integram sistemas de justiça criminal estadual e federal e que trabalham com investigação e repressão de crimes praticados com armas ou relacionados ao mercado ilícito das mesmas.

Luiza Cristina Fonseca Frischeisen é Subprocuradora Geral da República e Coordenadora da Câmara Criminal do Ministério Público Federal.

Domingos Savio Dresch da Silveira é Subprocurador Geral da República e Coordenador da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional do Ministério Público Federal

]]>
0
Bolsonaro e as fake news armamentistas https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/07/22/bolsonaro-e-as-fake-news-armamentistas/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/07/22/bolsonaro-e-as-fake-news-armamentistas/#respond Sun, 22 Jul 2018 18:27:30 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/15202073035a9c85c71bfd0_1520207303_3x2_xl-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=151 O candidato à Presidente da República, Jair Bolsonaro, que ganhou destaque esta semana ensinando uma criança a imitar uma arma de fogo, alicerça boa parte do seu discurso na defesa da liberdade dos indivíduos se armarem como solução para o drama da violência e da falência da segurança pública. E, para completar, advoga que hoje, no Brasil, existiria uma ideologia desarmamentista de esquerda que tolhe o direito de autotutela e autodefesa.

Segundo o argumento de sua campanha [e também os das de João Amoedo e Álvaro Dias, por sinal], que soube embalar o crescente efeito e a ideologia do lobby das armas nas redes sociais, o Estatuto do Desarmamento seria uma afronta ao Referendo de 2005, quando 63% da população votou contra a proibição das armas de fogo.

Nada mais falso e, mesmo, mentiroso. Afinal, as armas de fogo não são proibidas no país. O que há, a bem da verdade, é a exigência de controle, tal como existe com álcool e tabaco, entre outros preditores de malefícios para a saúde pública ou para o indivíduo.

A questão real e legal é que, no Brasil, a tese do desarmamento foi vencida e hoje qualquer pessoa que atenda aos requisitos da legislação pode e está conseguindo autorização para comprar uma arma de fogo. Ao contrário do que é alegado nas redes sociais e pelas campanhas eleitorais, o número de autorizações têm crescido.

Esta é a conclusão de reportagem de março deste ano do Correio Braziliense, feita pela jornalista Natália Lambert, à época repórter do jornal. Segundo Lambert, que obteve os dados por intermédio da Lei de Acesso à Informação, temos mais de 331 mil pessoas com registros ativos no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) — banco de dados da Polícia Federal que controla armas de fogo em poder da população em todo o país.

E, o mais importante para o argumento deste texto, o número de novas licenças concedidas pela PF subiu, ainda segundo a reportagem citada, 175% nos últimos oito anos no país. Elas passaram de uma média de 12 mil para 33 mil por ano, com o ápice tendo sido alcançado em 2015, com 36.807 novas licenças.

Dito de outra forma, os dados disponíveis indicam que o país precisa discutir a eficiência e a efetividade dos mecanismos de controle de armas. Precisa discutir, por exemplo, como Polícia Federal e Exército, que são os órgãos de Estado responsáveis pelo controle das armas civis, das polícias, de colecionadores e de militares, estão fazendo para integrar e coordenar informações e estratégias que ajudem a identificar e punir criminosos.

Mas, enquanto isso, deixamos de discutir esse tipo de iniciativa e passamos a defender e acreditar em uma enorme “fake news”, para usar um termo que os armamentistas gostam, que tem sido vendida como justificativa para a defesa política e ideológica de teses de grupos de interesse envolvidos na produção, comercialização e controle de armas e munições.

Se a questão fosse de concepção política e ideológica tão somente, até poderíamos debate-la à luz do jogo democrático e das opções e modelos de Estado. Porém, por trás dela há uma parcela ruidosa e raivosa das redes sociais que usam esse argumento para disseminar ódio e ressentimento; para cultuar mais violência como resposta para as vergonhosas taxas de crime violentos que nos assolam. O medo vai dando o tom e a efetividade da política pública vai cedendo espaço para inflamados e sedutores discursos salvacionistas e ocos.

Mas isso embute algumas armadilhas perigosas. Se olharmos o que determina a lei vigente, por exemplo, veremos que qualquer indivíduo que queira adquirir uma arma de fogo precisa dar provas de capacidade psicológica em portá-la.

Agora, se também olharmos para a qualidade, para os argumentos e a agressividade que invadem as redes sociais e as áreas de comentários dos portais e dos jornais de notícias quando o tema vem à tona, veremos que boa parte das pessoas não teria as mínimas condições de comprar uma arma, já que, muito provavelmente, seria reprovada nos testes psicotécnicos.

Ato contínuo, já que as armas não são proibidas no Brasil, Jair Bolsonaro e os demais candidatos que defendem o fim do controle das armas no país precisam dizer se concordam que tais pessoas possam comprar e portar armas livremente.

Em suma, para ficar apenas restrito ao debate das armas de fogo, o jeito direto e “verdadeiro” da campanha de Jair Bolsonaro vendê-lo como novo é, no fundo, um sofisma elaborado; é estratégia de comunicação de massa calibrada para interagir com o medo da população e com a fadiga da sociedade com um modelo de Estado injusto, corrupto e desigual.

Mas não é algo que encontra respaldo na realidade. Os candidatos que defendem a revogação da legislação sobre armas de fogo no país lembram aquela velha frase “pega ladrão”, dita por ladrões em uma multidão para gerar confusão e sorrateiramente furtarem as pessoas em meio ao caos provocado. No caso, gritam uma coisa mesmo sabendo [se é que sabem, pois ideologia cega] que o problema é outro.

Seria muito mais produtivo para a segurança pública se os candidatos estivessem discutindo como e quando garantir “controle” da violência por armas de fogo do que pautarem suas campanhas por debates estéreis, falsos e intermináveis.

]]>
0